O Diabetes Mellitus (DM) é uma condição crônica complexa que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, sendo um dos maiores desafios de saúde pública globalmente e também no Brasil. Caracteriza-se pela incapacidade do corpo de produzir insulina ou de utilizá-la adequadamente, resultando em níveis elevados de glicose (açúcar) no sangue, condição conhecida como hiperglicemia. Entender o diabetes é fundamental para o diagnóstico precoce, tratamento eficaz e prevenção de suas graves complicações.
Entendendo a Glicose e a Insulina
- Glicose: É a principal fonte de energia para as células do nosso corpo. Obtemos glicose principalmente através dos alimentos que contêm carboidratos.
- Insulina: É um hormônio produzido pelo pâncreas (nas células beta). Sua função é agir como uma “chave”, permitindo que a glicose que está no sangue entre nas células para ser usada como energia.
No diabetes, esse processo falha: ou o pâncreas não produz insulina suficiente (ou nenhuma), ou as células do corpo se tornam resistentes à ação da insulina. Em ambos os casos, a glicose se acumula no sangue.
Principais Tipos de Diabetes
Existem diferentes tipos de diabetes, sendo os mais comuns:
Diabetes Tipo 1 (DM1):
- O que é: Uma doença autoimune na qual o sistema imunológico ataca e destrói as células beta do pâncreas, responsáveis pela produção de insulina. 1 Resulta em deficiência absoluta de insulina.
- Causas: Combinação de predisposição genética e fatores ambientais (como infecções virais) que desencadeiam a resposta autoimune. Não é causado por estilo de vida.
- Características: Geralmente diagnosticado em crianças, adolescentes e adultos jovens, mas pode ocorrer em qualquer idade. Os sintomas costumam aparecer de forma abrupta. O tratamento requer reposição de insulina desde o diagnóstico. Corresponde a cerca de 5-10% dos casos de diabetes.
Diabetes Tipo 2 (DM2):
- O que é: É o tipo mais comum (cerca de 90-95% dos casos). Caracteriza-se por uma combinação de resistência à insulina (as células não respondem bem à insulina) e uma deficiência relativa na produção de insulina (o pâncreas não consegue compensar a resistência).
- Causas/Fatores de Risco: Forte componente genético associado a fatores de estilo de vida, incluindo: sobrepeso/obesidade, sedentarismo, dieta inadequada (rica em gorduras e açúcares), idade avançada (acima de 45 anos), histórico familiar de diabetes, pré-diabetes, diabetes gestacional prévio, certas etnias (afrodescendentes, hispânicos, indígenas, asiáticos), síndrome dos ovários policísticos, hipertensão e colesterol alto.
- Características: Geralmente diagnosticado em adultos, mas tem aumentado alarmantemente em jovens e adolescentes devido à epidemia de obesidade. Os sintomas podem ser graduais, sutis ou até inexistentes nas fases iniciais, o que atrasa o diagnóstico.
Diabetes Gestacional (DMG):
- O que é: Níveis elevados de glicose no sangue diagnosticados pela primeira vez durante a gravidez. Ocorre devido às alterações hormonais da gestação, que podem causar resistência à insulina.
- Riscos: Aumenta o risco de complicações para a mãe (pré-eclâmpsia, parto cesárea) e para o bebê (macrossomia – peso excessivo ao nascer, hipoglicemia neonatal, icterícia). Também aumenta o risco futuro da mãe desenvolver DM2 e do filho ter obesidade/diabetes mais tarde.
- Características: Geralmente se resolve após o parto, mas requer acompanhamento e controle rigoroso durante a gestação. O rastreamento é recomendado para todas as gestantes.
Outros Tipos: Existem formas menos comuns, como o LADA (Diabetes Autoimune Latente do Adulto – uma forma de DM1 de progressão lenta em adultos) e o MODY (Diabetes Maturity-Onset Diabetes of the Young – formas raras causadas por mutações genéticas específicas), além de diabetes secundário a outras doenças (pancreatite, fibrose cística) ou uso de medicamentos (corticoides).
Sintomas Comuns do Diabetes
Os sintomas podem variar dependendo do tipo e do nível de glicose no sangue. Muitas pessoas com DM2 inicial podem não ter sintomas. Os sinais clássicos incluem:
- Poliúria: Urinar excessivamente.
- Polidipsia: Sede excessiva.
- Polifagia: Fome excessiva ou aumentada.
- Perda de peso inexplicada: Mais comum no DM1 ou DM2 avançado.
- Fadiga ou falta de energia.
- Visão turva.
- Infecções frequentes (pele, gengiva, bexiga).
- Cicatrização lenta de feridas.
- Formigamento ou dormência nas mãos ou pés (neuropatia, geralmente em fases mais tardias).
Diagnóstico
O diagnóstico é feito através de exames de sangue que medem os níveis de glicose:
- Glicemia de Jejum: Nível de glicose após jejum de 8 horas. (Normal < 100 mg/dL; Pré-diabetes 100-125 mg/dL; Diabetes ≥ 126 mg/dL).
- Teste Oral de Tolerância à Glicose (TOTG): Mede a glicose em jejum e 2 horas após a ingestão de uma bebida açucarada. (2h após: Normal < 140 mg/dL; Pré-diabetes 140-199 mg/dL; Diabetes ≥ 200 mg/dL). Usado frequentemente para gestantes.
- Hemoglobina Glicada (A1c): Mostra a média dos níveis de glicose nos últimos 2-3 meses. (Normal < 5,7%; Pré-diabetes 5,7-6,4%; Diabetes ≥ 6,5%).
- Glicemia Casual: Medida a qualquer hora do dia. Um valor ≥ 200 mg/dL, acompanhado de sintomas clássicos, confirma o diagnóstico.
Tratamento do Diabetes
O objetivo do tratamento é manter os níveis de glicose no sangue o mais próximo possível do normal para prevenir ou retardar as complicações. O tratamento é individualizado e baseado em cinco pilares:
- Educação em Diabetes: Entender a doença, como monitorar a glicose, usar medicamentos, reconhecer sinais de alerta (hipo/hiperglicemia) e fazer escolhas saudáveis é fundamental para o autocuidado.
- Alimentação Saudável: Plano alimentar equilibrado, controle de carboidratos (especialmente os simples/refinados), aumento de fibras, preferência por gorduras saudáveis. O acompanhamento com nutricionista é essencial.
- Atividade Física Regular: Ajuda a controlar o peso, melhora a sensibilidade à insulina e a saúde cardiovascular. Recomenda-se pelo menos 150 minutos de atividade aeróbica moderada por semana, combinada com exercícios de força.
- Medicamentos:
- Insulina: Essencial para todos com DM1 e para muitos com DM2 (especialmente em fases avançadas ou em situações específicas). Existem vários tipos (ultrarrápida, rápida, intermediária, longa, ultralonga) e métodos de aplicação (seringas, canetas, sistemas de infusão contínua – “bombas” de insulina).
- Antidiabéticos Orais e Injetáveis (não-insulínicos): Usados principalmente no DM2. Existem diversas classes que atuam de formas diferentes (ex: Metformina – aumenta a sensibilidade à insulina; Sulfonilureias – estimulam a produção de insulina; Inibidores da DPP-4; Inibidores da SGLT2 – eliminam glicose pela urina; Agonistas do GLP-1 – melhoram a secreção de insulina e a saciedade). A escolha depende do perfil do paciente.
- Monitoramento da Glicose: Verificar os níveis de glicose é crucial para ajustar a alimentação, atividade física e medicamentos. Pode ser feito com:
- Glicosímetro: Medição capilar (“ponta de dedo”).
- Monitoramento Contínuo de Glicose (CGM): Sensores que medem a glicose no líquido intersticial continuamente (ex: FreeStyle Libre, muito usado no Brasil). Fornecem dados de tendências e “tempo no alvo” (percentual de tempo com a glicose na faixa ideal).
- Hemoglobina Glicada (A1c): Exame laboratorial periódico para avaliar o controle médio.
Complicações do Diabetes
A hiperglicemia crônica pode danificar vários órgãos e sistemas ao longo do tempo:
- Complicações Microvasculares (pequenos vasos):
- Retinopatia Diabética: Danos aos vasos da retina, principal causa de cegueira em adultos.
- Nefropatia Diabética: Danos aos rins, podendo levar à insuficiência renal e necessidade de diálise ou transplante.
- Neuropatia Diabética: Danos aos nervos, causando dor, formigamento, perda de sensibilidade (especialmente nos pés), problemas digestivos, disfunção erétil.
- Complicações Macrovasculares (grandes vasos):
- Doença Cardiovascular: Aumento significativo do risco de infarto do miocárdio e angina.
- Doença Cerebrovascular: Aumento do risco de Acidente Vascular Cerebral (AVC).
- Doença Arterial Periférica: Má circulação nas pernas e pés.
- Pé Diabético: Combinação de neuropatia (perda de sensibilidade) e má circulação, aumentando o risco de feridas, infecções e amputações.
- Outras: Maior risco de infecções, problemas de pele, doenças gengivais, complicações agudas (hipoglicemia severa, cetoacidose diabética no DM1, estado hiperosmolar hiperglicêmico no DM2).
Prevenção
- DM1: Atualmente não pode ser prevenido. O foco é o diagnóstico precoce.
- DM2: Em muitos casos, pode ser prevenido ou retardado através de:
- Manutenção de peso saudável.
- Alimentação equilibrada e rica em fibras.
- Prática regular de atividade física.
- Não fumar.
- Identificação e tratamento do pré-diabetes.
- DMG: Controle de peso antes da gravidez e hábitos saudáveis durante a gestação podem reduzir o risco.
Vivendo Bem com Diabetes
Embora seja uma condição crônica, é possível viver bem com diabetes. Isso exige comprometimento com o tratamento, monitoramento regular, acompanhamento médico multidisciplinar (endocrinologista, cardiologista, oftalmologista, nefrologista, nutricionista, dentista, educador físico, psicólogo), cuidados com os pés e atenção à saúde mental. Grupos de apoio e associações de pacientes também são muito importantes.
Diabetes no Brasil (Abril de 2025)
O Brasil enfrenta uma epidemia crescente de diabetes, especialmente o Tipo 2, impulsionada pelo aumento da obesidade e do sedentarismo. O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece diagnóstico e tratamento, incluindo insulinas e alguns medicamentos orais, além de insumos para monitoramento, mas o acesso e a qualidade do cuidado podem variar regionalmente. Campanhas de conscientização e políticas públicas de prevenção são essenciais para frear o avanço da doença e suas complicações, que geram alto custo humano e financeiro para o país.
Conclusão
O Diabetes Mellitus é uma condição séria que exige atenção e cuidado contínuos. No entanto, com diagnóstico precoce, tratamento adequado, mudanças no estilo de vida e acompanhamento médico regular, é possível controlar a doença, prevenir ou retardar suas complicações e manter uma vida plena e saudável. A informação e a educação são as ferramentas mais poderosas para pacientes, famílias e a sociedade no enfrentamento do diabetes.